A Justiça deu cinco dias para que a Universidade de São Paulo (USP) explique por que negou vaga para o curso de medicina a Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos. Ele teve a autodeclaração como pardo rejeitada pela banca de heteroidentificação.
Alisson é da cidade de Cerqueira César. Ele foi aprovado no vestibular via Provão Paulista, do governo do estado, na categoria “cotistas egressos da rede pública e autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas)”.
O caso corre pela 2ª Vara Cível de Cerqueira César. A multa diária é de R$ 500 e limitada ao teto de R$ 20 mil.
Em nota, a USP informou que “quaisquer ordens judiciais serão cumpridas pela USP e serão apresentadas em juízo todas as informações que explicam e fundamentam o procedimento de heteroidentificação”.
No caso dos alunos que fizeram o Provão Paulista, as bancas de heteroidentificação foram realizadas virtualmente.
Questionada anteriormente pelo g1 sobre o motivo de não fazer entrevistas de forma presencial, a universidade informou que tal medida “demandaria um calendário de bancas de heteroidentificação incompatível com o calendário dos vestibulares do Enem, das universidades paulistas e do Provão Paulista”.
“Teríamos muitos candidatos viajando para São Paulo sem matrícula efetivada e sem uma resposta definitiva das bancas de heteroidentificação, o que acarretaria prejuízo para os candidatos”, completou a Universidade.
Em nota, a defesa do jovem afirmou que “o que se extrai dos fatos é que os parâmetros utilizados pela Comissão de Heteroidentificação são absolutamente subjetivos, sem critérios adequados para serem aferidos. Por isso, permitir que a USP apresente a motivação da decisão que negou provimento ao recurso administrativo apresentado pelo candidato, é permitir que ela se beneficie da proporia torpeza, uma vez que a instituição teve a oportunidade de justificar os motivos da sua decisão quando enviou o e-mail da negativa, e não o fez” (leia baixo na íntegra).
LUTA – Laise Mendes, tia do jovem, afirma que a família está “lutando”. “Pois ele tem os critérios que a USP pede, ele tem os traços, ele fala que sempre soube que é pardo, se declara pardo, e eles não querem aceitar as pessoas como elas são. Isso é injusto.”
“Mandaram e-mail de boas-vindas e depois informaram que não iria se encaixar no PPI. Eles o analisaram por vídeo, que durou um minuto, ele leu só um texto. No meio da recepção de calouros, eles nos enviaram o e-mail falando que havia sido negado em PPI. Ficamos sem chão, afinal, no dia 23, havíamos recebido o e-mail que ele havia sido aprovado e poderia fazer a matrícula do dia 26 ao dia 28. Quando deu errado, choramos muito, ficamos sem saber o que fazer”, completou a tia.
Em nota anterior, a USP informou:
“Alisson dos Santos Rodrigues, a deliberação final se deu na última sexta-feira, dia 23 de fevereiro, e foi enviada no dia subsequente. Importante frisar que todos os candidatos que estavam com recursos sendo analisados sabiam que a matrícula estava condicionada ao resultado das bancas de heteroidentificação. O que o estudante tinha era uma pré-matrícula condicionada ao resultado do processo de heteroidentificação”.
O g1 também perguntou sobre os cuidados para esse tipo de avaliação, já que até mesmo a iluminação do local poderia prejudicar o aluno. Em resposta, a USP disse que “nas versões virtuais, a banca de heteroidentificação toma todo o cuidado para que a visualização das características fenotípicas seja feita de maneira adequada, pedindo, por exemplo, para que os candidatos mudem a posição do corpo e procurem lugares com melhor iluminação. Tudo para garantir a isonomia da oitiva”.
DEFESA DO JOVEM – “Em resumo, o Magistrado determinou que, primeiramente, a Universidade se justifique sobre o indeferimento do recurso administrativo do Alison porque, segundo ele, não é possível extrair do e-mail enviado pela comissão, as razões de decidir que levaram o Conselho de Inclusão e Pertencimento (CoIP) da universidade a negar provimento ao recurso administrativo.
Entretanto, o que se extrai dos fatos é que os parâmetros utilizados pela Comissão de Heteroidentificação são absolutamente subjetivos, sem critérios adequados para serem aferidos.
Por isso, permitir que a USP apresente a motivação da decisão que negou provimento ao recurso administrativo apresentado pelo candidato, é permitir que ela se beneficie da proporia torpeza, uma vez que a instituição teve a oportunidade de justificar os motivos da sua decisão quando enviou o e-mail da negativa, e não o fez.
É nítido, que em razão disso, tal decisão administrativa acabou por violar múltiplos princípios: o da legalidade – por falta de base legal para a tomada de decisão; o princípio da motivação; da segurança jurídica e razoabilidade, que rege o processo administrativo.
Outro ponto que merece destaque nesta discussão versa sobre a seleção dos membros da Comissão de Heteroidentificação, uma vez que é composta por um docente, um servidor técnico-administrativo, um aluno de graduação e um aluno de pós-graduação que, preferencialmente, tenha experiência comprovada.
Portanto, diferentemente do argumentado pelo Juiz do feito, não se pode presumir que a decisão administrativa final tenha sido tomada, por uma comissão qualificada para analisar se o autor possuía ou não a identidade fenotípica correlata àqueles que se identificam como pardos.
Inclusive, a utilização de Comissões de Heteroidentificação racial só foi avalizado pelo STF para ser utilizado de modo complementar e subsidiário. Com efeito, a permissão jurisprudencial da heteroidentificação só é válida para exclusão de fraude, pois em caso de dúvida deverá prevalecer a autodeclaração. Diante do inconformismo com a decisão de primeiro grau, a matéria será devolvida ao tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de Agravo de Instrumento, buscando a efetivação da justiça cristalina que assiste ao Candidato aprovado.”
Como funciona a análise da banca de heteroidentificação da USP?
A USP informou que a comissão foi criada para coibir fraudes e garantir a integridade da autodeclaração das pessoas convocadas para a matrícula nas vagas reservadas para política de ações afirmativas para pessoas negras, de cor preta ou parda nos cursos de graduação.
Essa comissão é composta por:
Uma pessoa docente da USP diretamente eleita
Uma pessoa discente da pós-graduação indicada pela Coligação dos Coletivos Negros da USP
Uma pessoa discente da graduação indicada pela Coligação dos Coletivos Negros da USP
Uma pessoa representante da sociedade civil organizada que atue na defesa das ações afirmativas
Uma pessoa funcionária técnica-administrativa diretamente eleita.
Os candidatos que se autodeclaram Pretos, Pardos e Indígenas (PPI) passam por uma análise fotografia por duas bancas de cinco pessoas, baseada somente em fatores fenotípicos. “Caso a foto não for aprovada por uma das bancas (por maioria simples), ela é direcionada automaticamente para a outra banca. Nenhuma banca sabe se a foto está sendo analisada pela primeira ou segunda vez, o que garante uma dupla análise cega das fotografias”.
No final desse processo, se as duas bancas não aprovarem a foto por maioria simples o candidato é automaticamente chamado para uma oitiva presencial, no caso de aluno que ingressou pela Fuvest. No caso de candidatos aprovados pelo Provão Paulista ou Enem, essa segunda fase é virtual.
De acordo com a USP, como a análise é estritamente fenotípica, a banca não faz nenhum tipo de pergunta sobre a vida dos candidatos. O que conta mesmo é a cor da pele, os cabelos e a forma da boca e do nariz.
“Para os candidatos do Enem e do Provão Paulista, foram feitas oitivas virtuais. Isso porque muitos desses candidatos moram em lugares muito distantes e a Universidade procura, assim, garantir condições para que candidatos de outras localidades tenham a oportunidade de ingressar na USP”.
A banca considera fatores como a cor da pele morena ou retinta, o nariz de base achatada e larga, os cabelos ondulados, encaracolados ou crespos e se os lábios são grossos. Se identificados alguns desses elementos, é sugerida a aprovação da autodeclaração.
Os alunos que não são aprovados, podem entrar com um recurso que é analisado por uma terceira banca recursal, também formada por cinco professores da Universidade.
Fonte: G1